A segunda edição do Seminário Morte, Arte Fúnebre e Patrimônio: interlocuções, lugares e documentos post mortem pretende alinhar argumentos que estruturam as reflexões gerais em torno da natureza e limites do conhecimento humano no que diz respeito à morte, aos ritos, às práticas culturais dos cuidados dados aos mortos, à certificação do cadáver como documento e às paisagens constituídas com base nos fatos que definem o universo físico e metafísico no âmbito da finitude humana.
O objetivo da segunda edição do Seminário é aprofundar os debates da primeira edição realizada em Pelotas, Rio Grande do Sul, em 2018 e, prioritariamente, colocar em perspectiva as técnicas, os métodos, a arte e os mecanismos culturais que produzem sentido sobre a morte que, ao longo do tempo e em diferentes culturas, pode – ou não – ser entendido e apresentado como incógnito. Os dogmas e as práticas religiosas, enquanto elementos culturais, contribuem para a conformação de formas artísticas variadas – entre elas, a literatura – que evocam determinados sentidos para o pós-morte. Desse modo, a produção de visões narrativas, não apenas escritas, sobre o além nos interessa para pensar a morte, o morrer e as variáveis vinculadas à finitude humana, que continuam a produzir versões e representatividades no ambiente construído.
Na contemporaneidade, o arco de processos nos quais a os dilemas da morte se insere são amplos. Por um lado, incluem-se os territórios do medo, a disseminação do terror e a intensidade da dor da perda e do sofrimento; por outro, a existência do prazer em “ver morrer”, em compartilhar imagens da morte, em assumir, por deleite, a condição de espectador do fim da vida. Paralelamente, os vestígios das ações humanas que podem ser identificados nos restos mortais, nomeiam o cadáver como documento norteador de debates investigativos protagonizados por profissionais da Medicina e do Direito. Nosso entendimento é que as dimensões empíricas e conceituais forjadas a partir da investigação científicas ou, assinaladas por interpretações dentro do plano secular e religioso, ajudaram a humanidade a construir fundamentos para se pensar o círculo de acontecimentos que define o fim da vida e o post mortem.
Diversas paisagens materializadas no cotidiano urbano remetem à morte e ao morrer. Destacam-se a atmosfera lúgubre da arquitetura cemiterial, a arte fúnebre dos sepulcros, as lápides e os cultos in memorian no dia de finados. Porém, o horizonte subjetivo da morte vem à cena também nas manifestações artísticas e culturais – artes visuais, literatura e cinema –, impondo diferentes formas para interpretação do fim da vida e, paradoxalmente, celebrar a memória e existência dos que se foram. Essa arte pode ainda projetar no imaginário coletivo as reminiscências fúnebres de tragédias, guerras e personagens. Pode também fazer reviver as perdas e dores enfrentadas por determinadas sociedades que, acionadas no presente, elaboram novas memórias e tributos aos mortos, remanejam narrativas de um passado sensível, permitindo a visibilidade de traumas, a reparação histórica e a configuração de novos trabalhos de luto.
O ser humano, sabedor de sua finitude, elabora elos entre a realidade baseada nas leis da Física e suas visões oníricas pautadas em mundos transcendentes. Desse encontro emergem evidências materiais e fenomenológicas que habitam o lugar do além túmulo. Em ambos os processos contidos na esfera do sobrenatural, hábitos religiosos, tradições culturais de diferentes sociedades, materialidades cunhadas pelo virtuosismo das artes visuais e da arquitetura, sem ignorar a potência narrativa centrada na literatura e cinematografia revelam-se elementos essenciais para interpretar nossas condutas diante do fim da vida.
E quanto ao corpo morto? Como confrontar as dimensões existenciais de sua extinção enquanto pessoa e as implicações da dissolução da matéria orgânica do cadáver? Quais as instância para o exame do espólio e do legado simbólico acumulado em vida? O fato é que o corpo morto grosso modo gera na sociedade um reviver, exponencialmente relativo à existência do defunto, seja imediatamente após seu óbito ou posteriormente, em função dos sentimentos e zonas de afeto estabelecidas em vida. O dito objeto, corpo morto, apesar de presente, nos é misterioso e sobrenatural, pois lida com o imponderável que ocorre após sua passagem. A condição do que possa haver após o porvir testifica entre outras coisas assombro, desconforto e insegurança, não apenas relacionada ao destino do finado como também o nosso próprio desígnio post-mortem. Diante disso, o se desfazer da materialidade orgânica do defunto, o enfrentamento da dor do luto e o lidar com as suas memórias apontam para uma complexa cadeia de sentimentos a serem vividas que, necessariamente, não são facilmente superadas por aqueles que continuam a jornada da vida.
Há, também, um ponto de inflexão adicional no processo de aceitação da morte: a condição cadavérica e o local onde a mesma se abriga. Os elementos que conectam a palpabilidade do mundo dos vivos à incognoscibilidade do mundo dos mortos, e que confirmam e configuram a fronteira entre o conforto do pulsar dos corações e a imponderabilidade do fenecimento são o(a) morto(a) e os espaços necrológicos e necrográficos; o corpo que se decompõe e os lugares em que as atividades que ali ocorrem têm a morte como principal requisito arquitetônico e a assumem como o principal agente das compreensões, ideias, decisões e ações que ocupam a geometria construída. Temos, portanto, uma instigante dicotomia a ser ponderada: aquela que trata das inconsistências entre post mortem e seu elemento tangível, ou seja, o corpo morto. O defunto é o elemento que conecta a vida à morte; é a pessoa e ao mesmo tempo não é. Assim, pois, é possível que se estabeleça uma matriz conceitual de debates que forneça subsídios para responder questionamentos que tratem de temas como o aniquilamento da pessoa e a decomposição do corpo – saúde pública, rechaço, luto, certeza de óbito, inexorabilidade do destino humano – e, ainda o pensar sobre o cadáver como prova documental das causas do falecimento (causa mortis).
A comunidade acadêmica representados por docentes, pesquisadores, pós-graduandos, graduandos e profissionais de áreas afins ao recorte temático do seminário, estão convidadas para o debate e compartilhamento de suas pesquisas através do envio de Comunicações.
Detalhes do evento:
Dia(s): 16 out 2019 - 17 out 2019
Horário: O dia inteiro
Local: Casa da Ciência da UFRJ
Rua Lauro Müller, 3 - Botafogo, Rio de Janeiro, RJ, 22290-160
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Sem CategoriasInscrição:
A confirmação da inscrição é de responsabilidade do organizador do evento.
Valor: A consultar
Período de inscrição: 16/10/2019
Site: https://paisagenshibridas.eba.ufrj.br/2019/03/16/smafp2019/
Instituição responsável: Escola de Belas Artes - Grupo de Pesquisas Paisagens Híbridas
Email do organizador: xxxxxxxxxxx@xxx.xxx.xx
Telefone de contato: xxxxxxxxxxx