Quinto Colóquio Filosofia e Quadrinhos

Introdução

Fabio Mourilhe

Com os ataques ao Charlie Hebdo que resultaram nas mortes de alguns de seus cartunistas, temos um cenário que exige uma discussão sobre ética, liberdade e o direito do cartunista de ser anárquico. Por um lado, podemos questionar a existência de uma liberdade total e irrestrita, sem leis para limitar o que se diz e o que se faz. Por outro, podemos discutir o papel do cartunista que se revolta e se posiciona contra temas diversos, incluindo o dogma religioso, e os discute com toda a sua criatividade.

O Colóquio Filosofia e Quadrinhos deste ano tem por objetivo desenvolver esta questão e algumas derivações, como a censura nos quadrinhos, os quadrinhos underground americanos e os quadrinhos brasileiros.


Liberdade de expressão

Giuseppe Cocco

Suis-je Charlie?
Será que sou Charlie ?!

Passado o momento daqueles dias tristes do massacre dos desenhistas do Charlie Hebdo, dos policiais e dos clientes do supermercado kosher em Paris, queria apontar algumas reflexões, sem muita análise aprofundada.

“Não sou Charlie” (???)
Muita gente foi se alinhando a um discurso do tipo “Eu não sou Charlie”.
Alguns insinuaram que os desenhistas seriam na realidade racistas por suas charges desrespeitosas à minoria muçulmana na França e fora da França.

Outros acharam que a antiga política colonial e agora as guerra da França explicam (não dizem que justificam, mas …) o que aconteceu.

Outros, os mesmos que atacavam Marina por ser evangélica,acharam um escândalo a lei francesa que proíbe as mulheres de usarem o véu islâmicos em locais públicos (eu também sou contra essa lei, mas também sou contra a obrigatoriedade do uso do véu imposto pela famílias …se isso não é PATRIARCAL, francamente não saberia dizer do que se fala…).

Outro, hoje mesmo, veiculava um artigo de um blog (alemão !!!) que explicava a última teoria de um complô explicitamente nazista: o banqueiro Rothschild (proprietário do Libération) teria tido interesse em comprar o Charlie por ele estar em uma situação ruim.. e por aí vai… o mundo da estupidez e do antissemitismo: MARX dizia que o antissemitismo é o socialismo dos estúpidos, Trata-se de uma definição atualíssima.

Pelo visto, a coerência não casa com o surfismo de ondas de feisbuk que vive um pouco dessa estupidez.

Tampouco leva-se em conta que o “oprimido” pode sim ser um opressor e se todo oprimido tivesse sempre razão e lutasse contra a opressão estaríamos no mínimo num mundo muito melhor.

Goste ou não das charges que fazia (e felizmente faz), Charlie Hebdo (semanário Charlie) era e é um jornal de esquerda radical.
Os caras que dizimaram um jornal inteiro são fundamentalistas do tipo nazista, embora um novo tipo de nazismo.

Como fizeram o fascismo e o nazismo, pegam frustrações e lutas justas e as emplacam em termos totalitários, ultrarreacionários, PIORES que o poder que dizem combater.

Dizer que eles são produtos do racismo, do colonialismo e das guerras imperiais é justo, como era justo dizer que o nazismo era fruto da primeira guerra mundial (14-18) e das condições econômicas que França e Inglaterra impuseram a Alemanha derrotada (denunciadas por Keynes desde 1919).

Mas do mesmo jeito que foi fundamental que todo o mundo combatesse o nazi-fascismo, inclusive as democracias liberais e o que sobrava do ímpeto revolucionário na URSS stalinista, é fundamental hoje combater esse nazi-fundamentalismo e todas suas formas (às vezes elas vêm escondidas por aí… com outros papos, sempre visando VETAR a liberdade de expressão, calar as bocas sim!) sem nenhuma nuance.

Os nazi-fundamentalistas que estupram e escravizam mulheres, matam gays e impõem a charia no Iraque e na Síria não são contra o Ocidente, mas o seu mais genuíno produto, exatamente no momento que não há mais distinção entre oriente e ocidente.

Aqui, alguns links para pensar e argumentar, sem muitas análises:

1) Os nazi-fundamentalistas que massacraram Charlie são os mesmos que foram derrotados em Kobane – no Kurdistan siriano perto da Turquia pelos Kurdos.

Defender a luta de Kobane é também lutar contra o nazi-fundantalismo em todo lugar, inclusive na França.
https://www.facebook.com/video.php?v=10152567571273247&fref=nf

2) Os jornalistas e desenhistas assassinados eram de esquerda, muitos de esquerda radical e laica dentro da tradição francesa, aquela que vem da revolução francesa. Charb, o diretor e o mais visado, era do Front de Gauche, oposição – semelhante ao nosso PSOL – ao Parti Socialiste de François Hollande. O dirigente do FdG Jean-Luc Mélenchon (aliado do Syriza na França) fez essa homenagem ao Charb.

Escutem. Mesmo sem entender francês, é possível ter uma ideia do tom:
https://www.youtube.com/watch?v=tkokoP1BNXE

3) O enterro de Charb, Wolinski e outros aconteceu ao som da INTERNATIONALE em russo!
Escutem aqui:
https://www.youtube.com/watch?v=R-KHdYd7RgM

4) Em outra homenagem ao assassinados, todos cantam o BELLA CIAO, ou seja, a música da resistência comunista no meu querido pais, a Itália, que cantei um milhão de vezes.
Eles cantam em italiano

É a mesma que foi cantada em Atenas nas comemorações pela vitória do Syriza,
https://www.youtube.com/watch?v=YulNK8djaiw


O Ocidente trivial – generalidades sobre liberdade de expressão, secularização e identidades culturais

Fabio François

O atentado à redação do Charlie Hebdo trouxe a debate uma tensão talvez milenar entre o Ocidente eurocêntrico e a identidade religiosa islâmica, tensão que oscila e permanece em aberto entre o conflito e o diálogo, e que mobiliza uma gama bastante complexa de fatores, desde o expansionismo colonialista europeu, a lógica de exploração e subdesenvolvimento por ele imposta aos povos que reivindicam esta identidade religiosa, e mais recentemente, a secularização das culturas ocidentais e a reação fundamentalista.

Quem se filia a uma visão de mundo de esquerda, mesmo num sentido muito lato, tende a criticar o chamado “Ocidente” na sua pretensão de parâmetro absoluto de civilidade, lembrando que é o modo de produção capitalista, que ele levou aos povos não-europeus, o que fomenta a miséria e o genocídio de que, em última análise, o extremismo religioso dito islâmico é uma reação. Nesta linha de abordagem, alguns pensadores (Zizek, Ghassan Hage) chegam mesmo a menosprezar a agenda de secularização e de garantias civis, valores cuja matriz iluminista os tornam imprestáveis às outras culturas e cuja pretensa universalidade é o nível mais sublime da arrogância e prepotência ocidentais. Neste cenário, o extremista chamado islâmico, ainda que equivocado em seus recursos ou atitudes, ao menos surge como uma iniciativa de ruptura com o falso consenso das sociedades contemporâneas de consumo e como reação ao nivelamento mercadológico, afirmando a dignidade de sua identidade religiosa como irredutível à conveniência e à hipocrisia do modo de vida ocidental.

Gostaria de tentar podar esta conclusão, que me parece esvaziar a razão de ser da política e da diplomacia, sem no entanto deixar de levar a cabo a crítica ao Ocidente, não somente no seu pendor expansionista, escravista e beligerante, como também no seu esgotamento contemporâneo enquanto forma de vida. Para tanto, questionarei o que entendemos por “Ocidente”, o quanto este entendimento remete a uma iniciativa histórica específica de explicitação do que temos por trivial e de regulação da vida social pelo genérico e pelo universal, e o quanto esta iniciativa tem um efeito sedutor e sistemático em nossa maneira de pensar, do que estará em questão se é possível, para nós pelo menos, pensadores acadêmicos, pretender criticar o Ocidente de fora dele. Tentarei sugerir o incômodo fato de que a ideia irrestritamente aceita pelos críticos do Ocidente de que as culturas ditas não-ocidentais devem ser preservadas e respeitadas em seus modos de vida é ela própria uma ideia ocidental. A imagem com que pretendo concluir é a de que o chamado “ocidente” é um estrago já em grande parte irreversível, cujos desdobramentos mais destrutivos, no entanto, não podem ser contidos sem uma radicalização dos parâmetros de civilidade que ele não inventou, mas apenas deu o tratamento estrutural de um ideal que pode ser horizontalmente difundido, i.e., proposto e admitido em diálogo. É historicamente descabido pensar que a identidade religiosa islâmica abdicou destes parâmetros e que é indiferente a estes ideais. Será necessário indagar como reivindicamos e reconhecemos identidades culturais e, em especial, religiosas, a fim de dissociar com clareza estas últimas da atitude fundamentalista.

Por outro lado, por ser justamente o artigo capital deste ideal civil, a liberdade de expressão precisa no entanto receber uma configuração concreta que esteja atenta às contradições e desigualdades de um cenário social real, sob pena de se esvaziar num formalismo cínico aos olhos dos desprovidos de meios materiais de expressão. É possível que a irreverência de um cartunista perante uma identidade religiosa específica esteja, num determinado contexto e talvez até involuntariamente, reforçando um discurso de ódio e marginalização contra uma minoria que a reivindica? Seria este um caso em que a censura a meios de imprensa se legitimaria pela própria agenda de promoção das garantias civis?


Charlie Hebdo, secularização e escatologia

Fabio Mourilhe

Este trabalho tem por objetivo problematizar aspectos relacionados ao assassinato dos desenhistas do Charlie Hebdo. Após tratarmos de uma breve apresentação do semanário, trazemos a questão da laicidade no contexto contemporâneo da França. O tema da secularização da escatologia cristã permite que nos aprofundemos na discussão tendo como foco a apropriação desta escatologia na modernidade, com a ideia de fim da arte e fim da história, tal qual aparece em Hegel. Não se pode falar em um fim sem que se considere um começo, porém aqui se sobrevive e ao mesmo tempo há uma morre. Com artistas que expõe sua opinião e, mesmo sabendo que correm risco, pagam com a própria vida, temos uma proximidade com a concepção do humor como a destruição da arte por ela mesma.


Arte e ética

Susana de Castro

Arthur Danto (1981, 1986) define as obras de arte como significados materializados. Cada obra de arte contém em si uma mensagem, algo que o artista deseja comunicar ao mundo. Sua comunicação não é direta como na comunicação oral, mas elíptica e metafórica. Compete ao crítico de arte ou ao se apreciador, o leitor, interpretar a obra, desvelar qual era a intenção do artista ao usar tal e tal imagem, tal e tal material, sobre o que está falando e qual a sua opinião sobre isso. Dito isso, não podemos mais dizer que a obra de arte está separada do real concreto, que ela esteja em uma esfera cósmica do espírito, transcendental, metafísica. As artes de uma maneira geral, sejam estas as chamadas artes eruditas ou artes populares, estão respondendo a questões do mundo e, neste sentido, por darem ‘respostas’ para inquietações do mundo, são políticas. A publicação das charges de Maomé pelo Charlie Hebdo, em um país que possui grande número de imigrantes muçulmanos, levanta a questão acerca do limite ético das artes. É possível fazer humor sobre tudo, conquanto o meio dessa fala seja o desenho, a charge? A mensagem da charge pode ser considerada ofensiva? A França de 2022 imaginada por Michel Houellebecq na sua distopia Submissão seria presidida por um muçulmano. Esse é um futuro possível?


Muito prazer, imprensa independente francesa

Geisa Fernandes

Os atentados ao semanário Charlie Hebdo, em janeiro de 2015, chamaram a atenção da comunidade internacional para um tipo de imprensa pouco conhecido pelas novas gerações, apesar de um breve período de muita popularidade no Brasil, representado pelo jornal Pasquim. A opção por ignorar a publicidade paga e a dependência do leitor-assinante revelam a resistência de uma fórmula explorada com muito sucesso por periódicos brasileiros do século XIX, como O Diabo Coxo, O Mosquito e a Revista Illustrada. Apesar de terem marcado o mercado editorial brasileiro e deixado de herança uma maneira própria de lidar com a política e a sociedade, este tipo de publicação não possui representantes à altura, em termos de difusão, no século XXI. Porém, se o último semanário satírico brasileiro de grande alcance conheceu seu apogeu na década de 1970, na França esse tipo de publicação ainda se mantém vibrante. Revistas e jornais como Zélium, Psikopat, Siné Mensuel, entre outras, seguem na ativa, apesar das dificuldades enfrentadas pelos semanários independentes. A partir da análise comparativa dos exemplos franceses, apresentaremos um panorama da imprensa independente neste país, buscando focalizar outros aspectos além da dualidade “mártires” versus “malditos”, tão explorada pelos grandes meios durante a cobertura dos atentados. A reflexão acerca deste modelo de publicação visa igualmente levantar questões a respeito da liberdade de expressão em geral e dos limites da imprensa em particular.


A epopeia editorial da contracultura em quadrinhos

Carlos Patati

Durante os conturbados e revolucionários anos 60, nos EUA, houve uma ruptura da parte dos autores mais inconformados com a própria estrutura editorial que dava a lógica dos produtos em quadrinhos da época. Isso possibilitou o fulminante florescer estético dos quadrinhos de autor norte-americanos, que, a partir do humor, gênero que estivera muito desprestigiado, afinaram sua criatividade para os novos tempos. Autores como S. Clay Wilson, Spain Rodriguez, Jack Jackson, Gilbert Shelton, Victor Moscoso, Rick Griffin e o mais consagrado deles todos, Robert Crumb, inauguraram a prática da autoedição nessa época. Foi o retumbante sucesso de seu primeiro gibi, a irreverente, iconoclasta, irada ZAP Comics, que mostrou a existência de um público interessado o suficiente para inventar e sustentar tanto a permanência das lojas de quadrinhos como a imprensa popular mais ousada e libertária que já viu a luz naquele país. Seus autores confrontaram, sem titubear, os principais dogmas religiosos, políticos e do suposto bom gosto de sua época, rindo dos outros e de si mesmos sem qualquer autocensura ou piedade, criando novos canais de distribuição e atacando a hipocrisia de uma sociedade cujos bastiões conservadores tentaram repetidas vezes inviabilizar a continuação do dito trabalho, aliás, sem o menor sucesso.


Fanzines e fanzineiros: do preconceito à área acadêmica

Gazy Andraus

Os fanzines foram elaborados na década de 1930 nos EUA, a partir da vontade de fãs de literatura de ficção-científica (fc), tanto para compor textos amadores como para partilhar seu objeto de culto (a fc). A partir de 1940, foi criado o termo fanzine, e de lá para cá, se espalhou no mundo, tendo seu ápice a partir das décadas 1960 e de 1970 devido ao rock e ao punk rock, e à vontade de seus partícipes de divulgarem shows e ideias contra a opressão dos governos. As artes dos quadrinhos, poesias, ilustrações, textos informativos, entrevistas e artigos continuaram a se ampliar, e atualmente, o fanzine existe como revista paratópica de resistência ao meio oficial-padrão impresso do mundo capitalista, sendo publicado via copiadoras (“xerox”), impressoras de computador, gráficas e também virtualmente lidos pela Internet. O ponto principal a se registrar é que desde seu início, o fanzine passou a existir como objeto cultural de resistência e trazendo conceitos de vanguarda em suas páginas bem como formatos inusitados. Porém, justamente por não ser atinente à oficialidade dos impressos, e guardar simpatia pela arte livre e anárquica, o fanzine também desperta preconceitos, ainda que atualmente esteja cada vez mais difundido inclusive nos projetos escolares e educacionais. Um caso exemplar de julgamento infundado se relaciona, por exemplo, com autores amadores ou não que publicam Histórias em Quadrinhos (HQs) em fanzines: por terem caráter experimental, e geralmente em cópias mais baratas “xerocadas”, alguns profissionais das áreas gráficas, leitores e pesquisadores não valorizam o conteúdo de um fanzine, muitas vezes devido ao material que ele aparece (revistas em papel sulfite A-4 dobradas ao meio com arte em preto e branco). Outro exemplo, nesse caso mais atinente ao preconceito com os fanzineiros, o que vem aos poucos sendo minado já que os fanzines começam a ser utilizados na área da educação. Pode ser exemplificado por um caso que ocorreu numa Faculdade de Comunicação, anos atrás, em Itapetininga-SP, conforme narra o próprio oficineiro, e que merece ser lido na íntegra:

Nos mais de 15 anos que publico fanzines e mantenho intercâmbio com a galera de norte a sul do país, um fato até hoje não me sai da cachola. Há alguns anos eu e amigos do meio alternativo realizamos aqui em Itapetininga algumas mostras e workshops de fanzines aos alunos de diversas escolas e convidados em geral; eventos esses realizados no Centro Cultural local, na Faculdade de Comunicação Social e na Escola Sebastião VilIaça. Foi uma fase muito legal, com a presença marcante da garotada e dos professores. Até criamos, com a participação dos alunos, dois fanzines: o “FKBeça Zine” e o “Villaça Zine”. A criatividade e a amizade rolavam soltas! Mas, como tudo que é bom dura pouco e como nem tudo são flores, eis que, de repente, surgia, envolta numa “névoa cinzenta”, uma mulher de rosto carrancudo. Naquele momento, em tom ditatorial, ela decretava o fim da mostra e workshop na Faculdade de Comunicação, alegando que fanzine era coisa de desocupado, era veiculo que incentivava o uso de drogas, e que por isso não deveria ser produzido ou exibido dentro de um complexo escolar. Nos sentimos de mãos atadas, como se o período da ditadura tivesse voltado, com suas censuras esdrúxulas.

Infelizmente, aquela criatura era uma das diretoras da faculdade… Depois desse ato bizarro, não mais voltamos a frequentar a referida faculdade e lamentavelmente a galera não mais encontrou disposição para dar seguimento às atividades culturais numa cidade que é denominada “Terra das Escolas”. (ANTONIO, Celso. jan/fev 2009, p.12).

Como se verifica, tal fato pode ter ocorrido ao final da década de 1990 ou início de 2000, demonstrando o total desconhecimento da diretora daquela instituição quanto ao real potencial dos fanzines e das qualidades morais dos fanzineiros (ela não sabe, mas Edgard Guimarães, por exemplo, um dos mais reconhecidos e premiados fanzineiros do Brasil, é mestre na área de engenharia eletrônica e professor do ITA – Instituto Tecnológico da Aeronáutica – e também produz seu fanzine “QI” há mais de 25 anos, informando os leitores dos lançamentos de zines, além de notícias e artigos e seções de cartas altamente abalizadas (de onde se retirou a citação acima). Imagine-se levar ao conhecimento desta diretora o nome deste fanzineiro que é professor da cadeira daquele respeitável instituto: seria ele um “desocupado” como ela afirmava?). Porém, a despeito desse caso narrado, na atualidade, os fanzines estão sendo cada vez mais utilizados em salas de aula escolares, bem como universitárias e até em pós-graduações, tanto em lato como stricto sensu. Há experiências reconhecidas que inclusive se tornaram livros, como “O Fanzine na Educação” do professor de Educação Física e criador do fanzine “Aviso Final”, Renato Donisete Pinto (2013), dentre outros, como o livro “Histórias em Quadrinhos e Práticas Educativas: O trabalho com universos ficcionais e fanzines” organizado por Elydio dos Santos Neto e Marta Regina Paulo (2013). Elydio, aliás, introduziu o conceito de “Biograficzines” para cursos da área de graduação e pós na Pedagogia, buscando aprimorar uma educação mais sensível e ao mesmo tempo intentando dirimir o preconceito acadêmico com os quadrinhos e os fanzines, que eram praticamente desconhecidos na área universitária da docência e da pós. Hylio Laganá, professor da UFSCAR também trouxe sua experiência de quando era um jovem punk e realizava HQs daquela temática para os cursos de Licenciatura em Biologia criando um projeto denominado de Gibiozine (mescla de “gibi” com “biologia” e “fanzine”) para aplicar a seus alunos de licenciatura: a cada ano, dois ou três números da revista são publicados, estimulando o alunado a produzir HQs pertinentes (ou não) à sua área, e convidando outros autores/pesquisadores como Edgar Franco e Gazy Andraus a participarem da revista e até a auxiliarem com palestras acerca do tópico dos fanzines e sua paratopia (sua existência extra-oficial na área da editoração de livros e revistas oficiais). É dessa forma que a questão do preconceito e censuras infundadas vão sendo amenizadas durante essas iniciativas que se espalham no Brasil, inclusive e principalmente no engessado meio escolar e acadêmico, que precisa se abrir à novidade e criatividade, para não se estancar em teorias herméticas e entrópicas, e finalizar seus preconceitos totalmente infundados, no caso, contra os fanzines e seus idealizadores, que contrariamente se mostram necessários à formação construtiva das personalidades e ao desenvolvimento da criatividade e senso crítico, como se quer mostrar aqui neste trabalho.

Referências Bibliográficas
ANDRAUS, Gazy. As Histórias em Quadrinhos como informação imagética integrada ao ensino universitário. Tese de doutorado. USP: São Paulo, 2006. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27154/tde-13112008-182154/
ANDRAUS, Gazy. O trabalho com HQ no PROVE. Revista PROVE. Ano 9, n. 9. São Paulo: Publicação do Grupo de Escolas Municipais – EMEFS, novembro de 2010.
ANDRAUS, Gazy; SANTOS NETO, Elydio dos. Dos Zines aos BiograficZines: compartilhar narrativas de vida e formação com imagens, criatividade e autoria. In MUNIZ, Cellina (org.). FANZINES – Autoria, subjetividade e invenção de si. Fortaleza/CE: Editora UFC, 2010.
ANTONIO, Celso. In. GUIMARÃES, Edgard. QI. Seção Fórum. 96, jan/fev 2009, p.12.
MAGALHÃES, Henrique. O que é fanzine. São Paulo: Brasiliense, 1993.
PINTO, Renato Donisete. Fanzine na Educação: algumas experiências em sala de aula. João Pessoa: Paraíba, 2013.
SANTOS NETO, Elydio dos; SILVA, Marta Regina Paulo da (orgs.). Histórias em Quadrinhos e Práticas Educativas: O trabalho com universos ficcionais e fanzines. São Paulo: Criativo, 2013.
Filme:
JARDIM, João. Para o dia nascer feliz. Brasil, 2006 (há um trecho nele em que se mostra a professora na sala de aula aplicando o exercício da elaboração de um fanzine aos alunos).


A censura à “Sex Bot Mantra”: uma performance baseada nos quadrinhos do Ciberpajé Edgar Franco

Edgar Franco & Danielle Barros Silva Fortuna

O artista transmídia Edgar Franco, também conhecido como Ciberpajé, tornou-se conhecido como um dos pioneiros do gênero de quadrinhos denominado de poético-filosófico, considerado pelo pesquisador Elydio dos Santos Neto (2011) um gênero genuinamente brasileiro. Desde o ano 2000, Franco cria histórias em quadrinhos que estão ambientadas em seu universo ficcional futurista batizado por ele de “Aurora Pós-humana”. A poética deste universo surgiu do desejo de entrever um novo planeta Terra inspirado em perspectivas pós-humanas. Um mundo vindouro onde as proposições de cientistas, ciberartistas e transumanistas tornaram-se realidade, no qual a raça humana, como a conhecemos, está em processo de extinção. Nesse universo, os limites entre animal, vegetal e mineral estão desvanecendo-se, a morte é algo evitável e novas formas de misticismo e transcendência tecnológica, a “tecnognose” (ERIK DAVIS, 1998), substituíram quase por completo as religiões ancestrais. O desejo de Edgar Franco ao criá-lo, foi o de refletir sobre o que os avanços tecnológicos futuros poderão significar para a espécie humana e para o planeta, mas também produzir uma ambientação que gere o “deslocamento conceitual” descrito por Philip K.Dick (apud QUINTANA, 2004) e assim problematizar o presente por meio de narrativas e obras deslocadas para um futuro ficcional hipotético. A abrangência conceitual da “Aurora Pós-humana” tem permitido a Edgar Franco criar obras em múltiplas mídias, muitas delas tendo como suporte o computador, convergindo linguagens artísticas diversas. Das HQtrônicas, passando pela música eletrônica de base digital, por um site de web arte baseado em vida artificial e algoritmos evolucionários e chegando às performances multimídia com o projeto musical performático Posthuman Tantra. A produção de histórias em quadrinhos ambientadas na Aurora Pós-humana tem sido explorada em diversos contextos, como no álbum “BioCyberDrama Saga”, parceria com o quadrinhista Mozart Couto, lançado pela Editora UFG em 2013; e também na revista em quadrinhos anual “Artlectos e Pós-humanos”, que já teve 8 números publicados pela editora Marca de Fantasia (UFPB). O Posthuman Tantra pretende ser um elo entre as criações artísticas em quadrinhos recentes de Edgar Franco e outras mídias. Em suas apresentações, é possível verificar fortes semelhanças estéticas e conceituais com as HQs em que as performances se baseiam, ou se inspiram. Em uma dessas performances, que teve como base desenhos e encenações vindas das HQs de Edgar Franco, a banda sofreu censura deliberada quando se apresentava em um evento internacional acadêmico, o “Congresso Internacional de Pesquisa, Ensino e Extensão da UniEvangélica” – universidade da cidade de Anápolis, GO. Esse artigo trata do episódio de censura da performance “Sex Bot Mantra” e de seus significados implícitos, tendo como reflexão principal a problematização da atitude discriminatória de uma instituição universitária – possivelmente motivada por dogmas religiosos – diante de uma apresentação de caráter artístico que se propunha a gerar reflexões e promover diálogos. Uma universidade deve estar aberta à “diversidade”, ao “universo de saberes possíveis”, inclusive questionar-se sobre qual o papel da arte iconoclasta na contemporaneidade? E como os quadrinhos se situam nesse panorama? O artigo também se dedica a essas questões.


Rango e a Estética da Fome.

Diogo Carreira Fortunato

Partimos da famosa tese-manifesto de Glauber Rocha, Uma Estética da Fome, texto de suma importância para o cinema, que reflete não apenas os compromissos, objetivos e propostas do Cinema Novo como também a inquietação político-econômica-social em que se encontrava o Brasil do início dos anos de 1965. Nesse panorama Glauber questiona as possibilidades e desejos de uma América Latina livre do subjugo das modernas formas de colonização, a saber, a Cultural. A partir dessa reflexão ele chega à originalidade do Cinema Novo em relação ao cinema mundial: “nossa originalidade é nossa fome e nossa maior miséria é que esta fome, sendo sentida, não é compreendida”.

Neste artigo, transpomos o conceito de Estética da Fome do cinema para os quadrinhos, de maneira a refletirmos sobre o anti-herói Rango. Morador de um depósito de lixo, sem dinheiro e desempregado, foi criado nos anos 70 por Edgar Vasques. Suas críticas contundentes nos tempos da Ditadura militar, ao ufanismo nacionalista do progresso e o mascaramento das mazelas brasileiras, levanta questões cruciais acerca da desigualdade social que permanecem atuais. As tirinhas que começaram na Revista Grilus, do diretório acadêmico da Faculdade de Arquitetura da UFRGS, em alguns anos conquistariam espaço em periódicos de grande expressão nacional como o Pasquim e Folha da Manhã. Em 1978 os leitores da revista mensal Charlie Mansuel conheceram Rango traduzido para o francês. O então redator chefe Georges Wolinski compara, em seu editorial, a obra de Vasques a Peanuts com o diferencial de que todos os personagens morrem de fome.

Assim, objetivamos o entrecruzamento de Glauber Rocha com Rango a fim de aprofundarmos aquilo o qual em 1978 chamou a atenção de Wolinski ao esfomeado anti-herói nacional.


Crítica Política e Social no humor gráfico a partir do atentado ao jornal Charlie Hebdo: reflexos nas charges produzidas por artistas da baixada Santista

Daniela dos Santos Domingues Marino

Com o ataque ao jornal Francês Charlie Hebdo em janeiro deste ano, tivemos a emergência de uma discussão sobre liberdade de expressão, terrorismo e limite do humor, em um coro polarizado em duas frases: “Je suis Charlie” e “Je ne suis pas Charlie”. O objetivo deste artigo é fazer um pequeno recorte sobre como essa discussão incentivou artistas a se posicionarem diante do ocorrido, mais especificamente com amostras de charges produzidas por artistas da região da baixada Santista a pedido da Gibiteca de Santos. Posteriormente, a partir do estudo sobre o papel do humor em nossa cultura, tentaremos avaliar se é possível dizer que o uso de humor gráfico favorece a propagação de ideais e de questionamentos sobre a situação política e social de uma determinada região, tendo em mente a pesquisa realizada pelo professor Osvaldo da Costa sobre o humor gráfico no Brasil na época da Ditadura.


Dracma Divina

Fernando Gerheim

De cima de um púlpito improvisado com caixotes de feira, o pastor prega para a multidão aglomerada.

“Desde a derrocada do Império Americano, muita coisa mudou no mundo. Criamos uma seita chamada Dracma Divina. O dinheiro, única imagem do mundo que não pode ser xerocada, é sagrado para os seus devotos. Mas o dinheiro cultuado pelos devotos da Dracma é diferente do que circula e, sobretudo concentra-se nas mãos de poucos. Os Legionários da Dracma cultuam uma moeda divina, de câmbio eterno e imutável. (O PASTOR entra em transe) Louvada seja Dracma! Louvada seja Dracma! (O PASTOR volta a falar para a multidão) Aqueles que se sacrificarem ao novo Deus Dracma serão milionários, mas muito mais milionários do que os ricos que consomem os produtos que podem ser consumidos com as moedas fabricadas pelos moedeiros falsos. O dinheiro que circula nesse mundo corrompe, a verdadeira riqueza não! Ela está reservada para os puros! Aqueles que se tornarem nossos discípulos, e entrarem para o exército da Dracma Divina, serão recompensados com o esplendor e a glória do Dinheiro Eterno! Dos humildes e puros será o Palácio Dourado! Quem nele quiser entrar, basta abrir o coração a Dracma! Se você quer mudar de vida, se você quer sair do buraco, se você quer alívio para o desespero, tome a decisão agora e dê um passo a frente. Temos um jovem! Dracma seja louvada! Você, jovem. Aproxime-se”.

Detalhes do evento:

Dia(s): 2 out 2015
Horário: 10h00 - 21h00

Local: Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS/UFRJ)
Largo São Francisco de Paula, 1, Centro, Rio de Janeiro, RJ, 20051-070

Categorias

Sem Categorias

Inscrição:

A confirmação da inscrição é de responsabilidade do organizador do evento.

Valor: grátis
Período de inscrição:
Site: http://quintocoloquio.wordpress.com
Instituição responsável: UFRJ
Email do organizador:
Telefone de contato: